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Sex Education e a desconstrução do clichê teen

Atualizado: 28 de mai. de 2020

Com uma nova forma bem sucedida de comédia colegial, os episódios exploram estereótipos adolescentes


Por Flávia Viana


Diversidade, naturalidade e aprendizado regem as relações de Otis - segundo, da esquerda para a direita - e seus colegas de escola. Foto: Divulgação

As séries de temas adolescentes são uma febre há décadas. Os romances e dramas clichês, um marco dos colégios cinematográficos, parecem ser a receita perfeita para prender adolescentes na frente da tela, mas a produção original da Netflix que lançou sua segunda temporada esse ano, Sex Education, veio com uma proposta de falar da adolescência, mais especificamente da vida sexual no início da juventude, entre 15 e 17 anos, de uma forma leve, engraçada e didática.


O enredo aborda as relações de Otis Thompson (Asa Butterfield), personagem principal que, apesar de ainda não ter perdido a virgindade, parece ter herdado de sua mãe, terapeuta de casais, o talento de dar conselhos sexuais. Otis, junto com sua amiga Maeve Wiley, personagem de relações familiares complicadas, devido ao vício em drogas de sua mãe e encrencas causadas por seu irmão, e fama ruim na escola por, supostamente, ter dormido com muitos garotos, abrem uma “clínica” para dar conselhos sexuais diversos aos colegas de escola.


A história, que à primeira vista tem tudo para ser um grande besteirol cheio de adolescentes hipersexualizados - o que já estamos cansados de ver em tudo quanto é série onde há mais cenas de pegação do que de diálogos - se transforma, a cada episódio, em um compilado envolvente de situações tão próximas da vida real que provocam identificação e questionamentos produtivos na audiência.


A criadora da série, Laurie Nunn, em entrevista à revista The Hollywood Reporter,conta que a série foi inteira pensada com o intuito de informar. “A pessoa mais importante com a qual trabalhamos é um educador sexual, que nos dá um feedback sobre roteiro, certificando que as informações estejam corretas e que não estamos colocando nada no programa que possa ser potencialmente prejudicial. Em seguida, nós nos asseguramos de que é engraçado e humano também.”


Essa característica didática foi essencial para conquistar uma audiência fiel em tempos de recomendação de abstinência sexual aos jovens vindas das autoridades brasileiras. A singularidade do enredo colocou Sex Education em quinto lugar no ranking de séries mais assistidas no Brasil em 2019, segundo a Netflix.


Família, religião e sexualidade


Dentre os muitos personagens adolescentes apresentados na série, Eric Effiong (Ncuti Gatwa) conquista os olhares não só por suas roupas extravagantes e personalidade exageradamente simpática, mas principalmente por ser um ponto de representatividade importante no enredo.


Eric é um garoto negro, de origens africanas, homossexual e vive em um lar religioso. E o que parece ser a receita para um personagem triste ou reprimido se mostra o extremo contrário. A história dá um basta no costume de representar relações complicadas para personagens com essas características, sem esconder ou diminuir os problemas sociais enfrentados por Eric.


Em seu lar cristão fervoroso, o espectador é surpreendido com a representação de uma família muito unida, zelosa e nem um pouco preconceituosa em relação à sexualidade ou à escolha de roupas e maquiagens do filho adolescente. Ao contrário: os pais e até mesmo a igreja são colocadas como bases que ajudam o personagem a superar momentos de homofobia, racismo ou exclusão que ocorrem em seu dia a dia, mesmo que no ambiente religioso o jovem ainda enfrente certo receio de expressar sua sexualidade.


O personagem e seu núcleo trabalham em um importante papel de normalizar para as próximas gerações as relações homossexuais e diferentes aparências em ambientes que normalmente são conservadores. “Queria ter me visto representado assim na TV quando estava crescendo, e acho que muita gente pensa da mesma maneira. É muito legal que Eric faça isso pelas pessoas, que ele empodere as pessoas e as faça se sentir fortes e menos solitárias”, afirma o ator Ncuti Gatwa ao Huffpost UK.


Mesclando itens que remetem à cultura afro, o personagem é uma referência de moda masculina ousada Imagem: reprodução


Amizade feminina


O auge da primeira temporada de Sex Education vem da abordagem de uma competição feminina, cenário recorrente na vida real e comumente exaltado de forma errônea no cinema.


Durante o conflito entre um grupo de amigas nem tão amigas assim, as fotos íntimas de uma das garotas é divulgada para toda a escola. Mas o momento sensível e de humilhação à personagem Ruby (Mimi Keene), dona da foto que foi espalhada, se torna um marco de apoio mútuo feminino quando todas as garotas da escola decidem se unir e assumir a autoria da imagem, em uma tentativa muito bem sucedida de preservar Ruby e mostrar que a agressão a uma mulher afeta a todas.


Em outro momento, mais uma vez as meninas se encontram no desafio de escrever uma redação sobre o que as une para se livrar do castigo da detenção. Nessa cena, há garotas de grupos distintos da escola, das nerds às mais populares, reunidas quando uma delas, Aimee Gibbs (Aimee Lou Wood), conta às outras que foi molestada no ônibus a caminho da escola. Isso faz com que todas percebam que o que elas têm em comum são as agressões que já sofreram por serem mulheres.


A partir disso, as meninas, que antes se viam como rivais, se unem na missão de ajudar Aimee a superar o trauma que o abuso, comum a mulheres do mundo todo, deixou, protegendo umas às outras e fazendo companhia no transporte público a caminho da escola.


O enredo incentiva, alem do apoio feminino, a denúncia de casos de assédio. Imagem: reprodução


Quebra de tabus: sexo e o corpo humano


E além das mais diversas pautas sociais levantadas por Sex Education, a série faz jus ao nome e trás à tona dúvidas, desconfortos e convicções que os adolescentes têm de forma engraçada e construtiva. Temas como desempenho sexual, relações lésbicas, masturbação e vergonha do próprio corpo são abordados e discutidos de forma fluida e com linguajar jovem, de forma que, apesar de inusitadas, as discussões não pesem no enredo.


Até mesmo a escolha dos personagens que apresentam cada um dos tópicos é bem feita e contribui para a quebra de paradigmas. Olivia (Simone Ashley) é tida como uma das garotas mais desejadas do colégio e apesar disso carrega dificuldades por ter vergonha de si mesma em determinados momentos íntimos. Já Lily Iglehart (Tanya Reynolds), personagem estranha e excluída, que não se encaixa em nada no padrão que vemos na tv como adolescente sexualmente bem sucedido, se mostra completamente confortável para explorar seus fetiches e desejos, por mais incomuns que eles aparentem ser.


Algo que os alunos da Moordale Secondary School revelam ter em comum ao conversarem com Otis sobre seus questionamentos sexuais é a sensação de obrigação de terem relações antes de ir para faculdade e de que o sexo seja “perfeito” assim como o mostrado nos filmes pornográficos, ideia essa que vai se desfazendo e dando lugar a uma liberdade sem tabus, ao passo que os personagens descobrem que podem ter (ou não) relações de suas próprias maneiras e em tempos distintos.


Descontraída e confiante, Lily explora sua curiosidade abertamente. Imagem: reprodução

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